Até ler Memórias de uma Gueixa,
eu não tinha percebido como é curiosa a diferença que se dá quando encaramos o
livro de modos diferentes. Comecei a ler o romance de Arthur Golden como se
fosse uma história real, e somente depois de ter lido um quarto do livro, mais
ou menos, descobri que era ficção – isso porque estava conversando sobre o
livro com uma amiga, senão muito provável só descobriria no final, quando o
próprio autor diz que o livro é ficção. E isso porque o livro parece ser muito
verossímil, logo de início, na “Nota do tradutor”. Enfim, após essa pequena
descoberta, ao retomar a leitura, tive uma visão totalmente diferente do livro,
como se a cortina da janela fosse retirada. Ler o livro como se fosse uma
história “verdadeira” ou fictícia muda muito nosso olhar sobre a obra, o que
não é negativo, apenas interessante. É nitidamente uma demonstração de que a
forma como encaramos a história muda a forma como elas nos significarão.
Sou fã de ficção e também adoro
livros baseados em histórias reais, mas descobrir que esse romance era ficção,
naquele momento, fez com que nas próximas trinta páginas pelo menos eu
encarasse o livro com certa “clareza/desconfiança”, o que me fez perceber mais
nitidamente a sua narrativa. E é por aqui que começarei a falar da obra de
Arthur Golden. (Aliás, não consegui evitar pequenos spoiler, então, quem se
incomoda muito com isso, está avisado.)
A história de “Memórias de uma
Gueixa” é justamente o que o título diz, em que a história é narrada pela voz
de Sayuri durante entrevistas com um professor de História Japonesa, nomeado
Jacob Haarhuis. Isso fica claro logo ao início na Nota do tradutor. E, por isso, o livro ganha um aspecto de
biografia. Golden conseguiu criar toda uma história verossímil em meio a
características da cultura japonesa – e aqui talvez seja interessante mencionar
que o autor fora processado pelas informações que dispôs no livro, de modo que
trouxe uma visão equivocada sobre as gueixas. De fato, a crítica de Mineko
(gueixa que processou Golden) sobre o livro faz sentido. No livro gueixas são
caracterizadas praticamente como prostitutas, embora possa se ver uma grande
diferença. E num trecho em que Golden poderia desfazer totalmente esse
equivoco, bem... ele deixou passar a oportunidade. Contudo, com fatos
equivocados ou não, não se pode deixar de apreciar a obra de A. G. como uma
obra impressionante.
Nessas memórias descobrimos que
Sayuri, uma gueixa considerada famosa, teve uma vida muito diferente da que era
divulgada, por exemplo, ela não era natural de Kyoto e sim de Yoroido – uma
região pobre do Japão. E começamos a conhecer sua história a partir de sua
infância, ainda conhecida como Chiyo, seu verdadeiro nome, que vem a mudar para
Sayuri quando se torna uma gueixa.
Nos primeiros capítulos posso
dizer que o livro me deixou agoniada, pois Chiyo, a protagonista, parecia bem
desinformada a respeito do que se passava ao seu redor, o que é compreensível,
afinal nem tinha dez anos – mas mesmo assim, porque não lhe diziam algo? A sua
imaginação cheia de pensamentos bonitinhos a fez imaginar que seria adotada e
tudo daria certo para sua família. Mas ninguém lhe dizia o que ela estava
fazendo. Ou isso não foi mencionado de propósito? Além disso, Chiyo desde cedo
demonstrava uma afeição por homens mais velhos, e uma esperteza que aos poucos
parece ir sumindo. Uma característica que faz com que Chiyo seja marcante e tenha chamado atenção são
seus olhos de um cinza-azulado.
Acho meio difícil comentar o
livro sem dar possíveis spoilers, embora logo nas Notas do tradutor tenha um fato meio implícito que só aparecerá
muito depois (alguns poderão dizer que é spoiler quando o perceberem). Uma
primeira atenção seria dada a diferença de um okiya e um jorou-ya, dado
que são bem diferentes, sendo um o lar de uma gueixa e o outro mais ou menos um
prostíbulo. E aqui já se vê que gueixas não são prostitutas – embora pareçam no
decorrer do romance de Arthur Golden. Digo, a vida de uma gueixa não é voltada
a isso, e, na definição que Arthur Golden traz da palavra gueixa, percebe-se
que, na verdade, elas são artistas. Aprendem a tocar instrumentos, a cantar e a
dançar.
“Mas uma gueixa tem de estudar muitas artes além de shamisen. E de fato o “guei” de “gueixa” significa “artes”, de modo que a palavra “gueixa” significa na verdade “artesã” ou “artista”.” (p. 155).
Há uma personagem importante na
história, uma gueixa popular chamada Hatsumomo – que possui uma grande beleza,
como se pode perceber –, que eu definiria como chata e arrogante, que faz com
que Chiyo fique devendo muito ao Okiya. E a rivalidade das duas será a base de
muitos dos fatos que formam a história. Ao mesmo tempo, é interessante notar
que o tempo flui de maneiras diferentes e quando se percebe há o
que se pode chamar de clímax da Hatsumomo. A “solução” dada a Hatsumomo foi bem
desenvolvida, claro, mas talvez pelo fato de quem esteja narrando ser
justamente Sayuri é que não conhecemos de fato o outro lado da história. A
visão do livro cerca toda a atenção nos interesses da protagonista, o que
faz com que alguns personagens frequentemente pareçam “sumir” da história, como
a Abóbora.
“Uma mente perturbada pela dúvida não pode se concentrar no curso da vitória” (p. 344).
“Uma vida errada não poderia transformar a gente em uma pessoa má?” (p. 105).
Chiyo, futura Sayuri, desde que é
arrastada para longe de sua casa vive o sonho de que algo melhor virá, até que por
fim descobre que para ela não há outra vida além da que o okiya lhe oferece. Os anos passam rápido na história, embora o
desenrolar dela seja lento. De modo que em 453 páginas vemos toda a vida de
Sayuri, embora muitos fatos passem apenas superficialmente. A lentidão soa um tanto estranha quando, meio que do nada, ela dá uma importância
extrema a algo, como se aquilo lhe ganhasse o foco de seus pensamentos por um
longo período. Como sua amizade com Abóbora. Por vezes ficamos páginas e
páginas sem notícias da menina, e quando ela aparece, embora Sayuri tente
demonstrar uma afeição singular por sua amizade, o faz de maneira quase
aproveitadora. Abóbora é, afinal, uma personagem importante e interessante que
não aparece muito, uma personagem secundária que poderia ser melhor explorada.
E não é, porque Sayuri tem outra coisa em mente – outro alguém, melhor dizendo,
o que a torna de certo modo egoísta (e me fez ter raiva dela).
Ademais, há um ponto interessante
a ser observado: a atenção quase poética a elementos naturais, utilizando-o para
metáforas. Durante todo o livro podemos nos deparar com alguns trechos que
remetem à natureza ou a descrições ambientais, muitas utilizadas como metáforas
para a situação a qual os personagens se encontram, como a citação abaixo.
“Uma árvore pode parecer bela como sempre, mas quando a gente nota os insetos que a infestam, e as pontas dos ramos estão marrons de doença, até o tronco parece perder algo de sua imponência” (p. 344).
Enfim, tendo ou não seus equívocos,
a obra merece o reconhecimento que tem. A narrativa é muito bem feita – apesar de
algumas partes estarem no presente, o que é muito estranho, afinal, é como se
ela estivesse contando o passado dela
para alguém, mas talvez isso seja a tradução, como saber? - e embora os
personagens pudessem ser mais explorados, dá para se dizer que a história
possui seu início meio e fim direitinho. Particularmente não gostei do final,
mas isso não faz com que a leitura deixe de valer a pena. Pelo contrário, é uma
leitura que recomendaria. Por causa da narrativa, não pelo final. (É meio
complicado falar mais do livro sem falar de alguns fatos que podem ser
considerados spoiler.)
Bem, esta é a visão que tirei do
livro. Foi uma leitura feita por causa do Clube do Livro deste mês de janeiro,
cujo tema se volta mais a fatos históricos. E aí? Já leram ou se interessaram?
Paula, você como sempre nota coisas que eu não notei, haha.
ResponderExcluirEu confesso que me deixei levar pela Sayuri e não pensei que a narrativa em primeira pessoa estava me influenciando, mas agora, lendo sua resenha, percebo o quanto fui volúvel.
Quanto à Hatsumomo acho que ela foi cruel mesmo, mas não tinha parado para pensar no lado de Abóbora, tadinha.
Sobre o romance, achei forçado! Só isso. Acho que era mais uma obsessão do que amor verdadeiro.
Mas eu amei o livro, amei mesmo. Dei até cinco estrelas no Skoob porque achei a narrativa muito boa e também fiquei de cara quando vi que não era baseada em uma história real.
Belíssima resenha. Beijos!
Leituras & Gatices
Acho que eu também seria levada pela narrativa de Sayuri se não tive tido aquele "estalo" durante a leitura, o que mudou meu olhar sobre o livro.
ExcluirÉ, a Hatsumomo foi cruel, mesmo com a Abóbora - o que também não tem tanta ênfase. Queria ter lido mais sobre a Abóbora... xP
Sim, exatamente isso! Forçado. Concordo contigo.
O livro realmente é bom, Golden conseguiu fazer algo verossímil mesmo! =)
Nunca li, apesar do meu professor de literatura já ter mencionado a obra. A leitura parece ser bem metafórica em algumas partes do livro, mas aquele tipo de metáfora que leva o leitor a refletir - como o que você citou. Ótima resenha!
ResponderExcluirBeijos,
Luana Agra - Blog Sector 12 - http://sector-12.blogspot.com.br/
Vale a pena dar uma conferida na obra. =)
ExcluirÉ, tem bastante metáfora, mas acho que isso torna a narrativa mais interessante~ ^^
Tenho esse livro a séculos e confesso que ainda não li por causa das letras pequenas e do papel branco. Vi o filme é adorei!!! Pretendo ler esse ano, quem sabe o coloque no projeto leitura de domingo, assim posso ler aos poucos sem prazo nem convenças para o fim.
ResponderExcluirSobre essa questão de ser real ou ficção, para mim não influencia porque mesmo que seja uma fantasia tento imaginar como seria viver as situações e isso acaba deixando tudo mais real. Acredito que esse livro seja inspirado na realidade, mas enfim gostei de saber sua opinião e ver esse livro resenhado aqui. Abração e ótimo mês de fevereiro!!!
P.s. Dizem que esse livro vale pela narrativa e pela viajem ao Japão e a cultura oriental. Amei o incentivo. Beijos
Leituras, vida e paixões!!!
Espero que aproveite a leitura também! =)
ExcluirAh, interessante! Bem, de algum modo, entendo o fato de não influenciar, assim como entendi porque para mim influenciou. Depende de como encaramos o livro. x)
De certo modo, todos os livros são inspirados na realidade. Mas, de fato, pelo livro e pelo que li à respeito, ele deve sim ter se baseado em fatos verídicos.
Um ótimo mês de fevereiro para você também. ^^
Vale mesmo!