Olá, pessoal!
Já ponderaram
que, como leitores, talvez nem paremos para pensar pelo que um escritor passa
até que sua obra esteja pronta, passe por todo o processo editorial e chegue
até nossas adoráveis mãos? Digo, será que paramos para pensar como ou pelo que o escritor passou para escrever tal obra? Imagina-se,
muito provavelmente, que há um momento de inspiração envolvido. Sem inspiração,
não há texto; é o que muitos dirão – há uma associação muito curiosa entre escrever e inspiração. “Por que tu não escreves?”, “Ah, estou sem inspiração”
– provavelmente já ouviram essas frases ao menos uma vez na vida. Mas... será
que só inspiração basta? Não só isso, como alcançar essa inspiração? Não
pretendo, nesta resenha – nem provavelmente nunca –, dar uma resposta a essas
perguntas. Apenas achei pertinente lançá-las ao ar, apenas para refletir um
pouco; até pelo fato de que, para respondê-las, se precisaria falar da bagagem
do escritor etc. – acrescento, apenas, uma fala de um professor do curso de
Letras, sobre quando passamos por essa falta
do que dizer, a falta de inspiração,
que consistia, basicamente, de uma palavra: “leiam” (<3).
E toda essa
pequena reflexão partiu de um único conto: “uma francesa”. O conto faz parte de
uma coletânea intitulada “Short Story: escritos manchados de sangue”, do
escritor DeCastro – também colunista no blog Historiar. O livro possui nove contos, sendo esses bem diversos e
ligados por um elemento: a morte. Cada conto mostra uma nova história, que
variam significativamente de tamanho, alguns mais breves, mais ou menos umas duas
páginas, e outros mais longos, mais ou menos umas trinta páginas, mas todos
trazem a certeza de que há ali marcas de sangue e morte. Numa perspectiva
geral, se pensarmos no livro como num sistema cardiovascular, a presença de
assassinatos e mortes seria o coração, responsável por manter toda a obra em
circulação, e nas veias e artérias principais poderíamos ver aspectos sociais –
a convivência humana em si – e mesmo certa dose da política/religião, não se
esquecendo de ver uma veia erótica que permeia grande maioria dos contos. Ainda
como esse sistema, vê-se que é uma obra fechada, mas que poderia abrir-se a
mais histórias e/ou pensamentos e reflexões sobre o que ali encontramos.
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Sumário de "Short Story: escritos manchados de sangue", de DeCastro. |
Parece-me difícil
resenhar um livro de contos – algo que estive, esses dias, comentando com a
Helena (Leituras & Gatices) –, pois não é apenas uma história a se analisar, são diversas. E, por serem diversas,
dificulta passar uma impressão sobre cada um dos contos, pois, além de
prolongado, seria um texto cansativo de se ler. De modo que minha opinião pode
ser muito superficial, por fazer um aparato mais geral e comentar, de fato,
apenas de um dos contos. E se torna mais complicado quando se vê que o autor
consegue mesclar diferentes estilos narrativos nos contos, não se atendo a
apenas uma forma de narração, como sendo mais objetiva e direta ou bem
descritiva; o conto “Príapo” é um exemplo claro disso, pois, no decorrer do
conto, há alteração no desenvolvimento da narrativa, sendo ora mais descritiva,
ora constituída de frases com uma palavra apenas. E isto feito de modo que o
leitor consegue perceber a diferença de cada cena, ou melhor, consegue
imaginá-las e perceber toda a
sequência imagética ali presente. Como um claro exemplo, há a sequência
“Punhal. Frasco. Sangue. Agenda.”, em que, embora assim isoladas possam passar
interpretações muito diferentes, pelo fato de já estarem contextualizadas no
conto, o leitor consegue perceber a continuação, uma espécie de ritual ali
contido. Embora, particularmente, prefiro frases mais detalhadas, não posso negar
que essa brevidade permitiu que o conto se tornasse fluido e agradável de ler.
Porque, de outro modo, a leitura poderia ser cansativa.
Além disso,
convém ressaltar que os contos trazem um vocabulário curioso – com isso digo
que é muito bom –, que não se costuma encontrar em literatura contemporânea – o
que me fez ir ao dicionário algumas vezes. E considero isso um ponto muito
positivo.
“As personagens são como vampiros, cravam os caninos na nossa jugular e quando amanhece, voltam aos seus sepulcros até que anoiteça de novo.” (Lygia Fagundes Telles)
Essa frase
aparece logo nas primeiras páginas do livro; uma visão curiosa e mesmo
fascinante dos personagens. Imagino que seja também uma forma de sinalizar
tanto a força dos personagens quanto o momento de leitura. Aliás, convém
mencionar que os contos, embora sejam de fato ficção, não possuem elementos
fantasiosos, o que realça a verossimilhança e a possível associação com
caráteres reais. Em diferentes momentos da obra são demonstrados diferentes aspectos
da capacidade humana, que, embora uma raça considerada superior, consegue se
tornar desprezível, vil e suja. E essa questão me lembra, um pouco, do livro A Máquina do Tempo, de H.G. Wells, que
abarca a questão da inteligência humana – às vezes, vendo ao nosso redor, chega
a parecer que algumas pessoas são como seres do mundo superior de Wells, no que
tange o uso de nossa maior arma, e às vezes soam como seres do mundo inferior,
que embora na posse de certa inteligência agem como “animais”.
“Embora assustador, humanos são animais sádicos e sujos” (p. 37, As freiras de Salem)
Apesar de
parecer fugir um pouco da linha de raciocínio, pensar sobre isso me trouxe à
mente o fato da influência do meio.
Não acho necessário explicar, mas convém observar que, assim como estamos
submetidos à livre escolha de nossos pensamentos, o que nos cerca pode vir a
nos moldar, ou mesmo limitar – não digo que seres humanos são totalmente
sucessíveis ao meio, mas que essa é uma característica que marca muito. Um dos
contos, aliás, mostra um pouco disso; que o ambiente, ao se tornar exaustivo,
pesaroso, afeta as pessoas. O próprio título é sugestivo, Quebra de rotina, em que, tendo o ambiente cotidiano se tornado um
fardo, uma rotina cinzenta e desagradável, percebe-se um peso tão forte na alma
humana que por vezes indivíduos são levados a ações extremas apenas para se
verem livres da agonia dessa “rotina”. Da vida apagada, sem cor, fatigante.
“Todos ali não passavam de meras peças de um quebra-cabeça, com funções bem delimitadas e que se, colocadas em outras disposições, não se encaixariam e assim, seria impossível a formação esperada pelo rótulo do brinquedo” (p. 40, Quebra de rotina)
E são
sensações que perpassam muito a sociedade. As pessoas, ainda, por vezes não se
contentam com o que possuem, ou mesmo não conseguem ter e ver que há dias
melhores – talvez – para vir. E, como peças, encaixadas para agir daquele modo,
e apenas assim, ao perceber certo desconforto, não se consegue uma adaptação a
má posição encontrada. O que me recorda de uma frase de Aldous Huxley, de Admirável Mundo Novo, em que uma pessoa
mal adaptada é um perigo à sociedade. E no conto Quebra de rotina, pode não ter sido à sociedade num todo, mas afetou mais do que o próprio personagem,
sua ação refletiu em toda sua família ali presente – o homem toma em mãos seu
destino e o de seu filho. Outro tópico é também apresentado; o suicídio como
válvula de escape do aborrecimento que pode ser continuar a viver.
“Mais valerá uma morte no corpo do que n’alma” (p. 49, A sentença)
Ou, como no
conto A Sentença, a morte como
punição por algo que vai contra princípios estabelecidos por dado grupo etc.
Além disso, nesse conto, a morte demonstra ser menos pesarosa se esta for
provocada em motivo de uma causa maior – se não me engano, já comentei sobre
algo relacionado em Espada de Vidro, sendo outra visão
de morte de uns como algo que garantirá o “bem” a outros.
Bem, para que
não se perca a graça da leitura e do elemento surpresa, principalmente por
serem contos e qualquer resumo pode vir a ser um spoiler, evito, aqui, comentar os outros contos. Acrescento,
apenas, duas coisas: que a brevidade e a narrativa por vezes objetiva podem ser
cruéis se formos parar para pensar a respeito; e que os finais, apesar de compreensíveis
– isso é, de conseguirmos saber como terminam (a maioria) –, não são explicitamente
claros, mas são subentendidos pelo leitor.
Por fim,
reparei em alguns “erros” na obra, como costumo reparar sempre – Celeuma agora é prova de como, infelizmente,
não deixo isso passar. Mas, neste caso, conversei com o autor e ele já está
ciente desses pequenos probleminhas.
Resta apenas
dizer que, apesar da decepção que anda os atuais livros nacionais, ainda há os
que se salvam e trazem questões voltadas à morte e a incompletude que é o ser
humano. Recomendo a quem gosta de contos e tem certa preferência por leituras
envolvendo mortes. Enfim, essa foi a primeira vez que resenhei um livro de
contos, mas espero que tenha conseguido passar um pouco do que é a obra a
vocês.
Oi Paula, tudo bem?
ResponderExcluirNão me lembro qual foi a última vez que li um conto. Lia muito quando estava na escola e sei que adorava. Vejo sempre pessoas falando sobre livros assim mas só o seu post me fez querer ler contos novamente.
Beijos
Quanto Mais Livros Melhor
Oi! Tudo e contigo? =)
ExcluirFico contente por isso! =D
Contos são bons porque não exigem muito tempo de leitura, como os romances. Espero que tenhas a oportunidade de ler bons contos novamente~ ^^