Olá, pessoal!
Não sei se já
leram ou pararam para pensar sobre os finais de livros. Não digo apenas se eles
são bons ou não; ampliemos um pouco, pensemos em que sensações os finais nos
causam. Em certa aula de Literatura Inglesa e Norte-Americana I (conhecida como
Lina), o professor chamou atenção
para esse ponto: a importância dos finais nos livros. Até me lembro de certo
texto que li, sobre isso, do
Luiz Schwarcz. Tanto o começo quanto o final do livro nos marcam. Vocês já
perceberam isso?
Quero dizer,
quando li ou quando ouvi o professor de Lina falando sobre isso, sobre essa
importância dos finais, eu havia entendido. Mas não percebido e sentido que
isso é, de fato, tão relevante ao leitor. É aquele tipo de conhecimento que até
que o vivencies não será tão marcante a ti. Entendi isso com as leituras de “Demian”
(Hermann Hesse) e “Estação Onze” (Emily St. John Mandel), que são livros cujos
finais são distintos demais. Ambas as obras são fantásticas, e possuem questões
muito diferentes, mas é como termina a história que marcará nossa impressão
final da obra. Redundante? Talvez.
Devo admitir
que não me encantei tanto com o final de “Estação Onze”, porque ele não foi sensacional, não foi algo perto de um
clímax, ou mesmo uma cena que te deixa agitado. Porque é um final mais
nostálgico, reflexivo; um final que não te deixa com as sensações à flor da
pele. E talvez essa tenha sido a intenção! Porque o livro, mais do que uma obra
sobre calamidade e relações humanas, é uma obra para pensarmos em nossa
sociedade, nas relações humanas, claro, mas em como, na verdade, todo o nosso
sistema social é frágil. Então, ele não causa agitação mesmo, não te deixa extasiado ou mesmo empolgado, porque
não é o propósito dele – eu acho. Diferente de “Demian”, cujo final é sensacional, porque não deixa totalmente
claro e tem um ar meio que de clímax. E é essa sensação, de dúvida, de
arrebatamento, que causa esse êxtase ao terminar a leitura. Não dá para deixar
de mencionar que a partir disso entram outras questões, como definir se as histórias
são "fechadas" ou "abertas" etc.
Apesar de ter
começado a falar pela sensação que o final me proporcionou, espero que não se
chateiem com isso, e possam aproveitar tanto da obra quanto eu.
Bom, já ouviram falar do livro?
“Estação
Onze” é aquele tipo de livro de 400 páginas que, se parares para pensar,
associando e pensando o que farias ali, e pensar ainda em cada pormenor, verás
uma infinidade de assuntos. Isso porque a obra apresenta a nossa atualidade,
nossa sociedade com toda sua tecnologia,
e o que poderia vir a ser após uma calamidade. Na obra de Mandel, uma gripe,
uma possível mutação da gripe suína pelo que se pode entender, denominada de
Gripe da Geórgia, acaba atingindo todo o mundo – pelo que se pode entender ao
menos – matando praticamente cerca de 99% da população mundial pelas últimas estatísticas. Tendo
contato com o vírus, em 24 horas a pessoa estaria morta. Uma epidemia que se
espalhou pelo mundo rapidamente devido às pessoas que viajavam de avião sem
saber que estavam infectadas. Horrível, não?
“Jeevan foi esmagado pela repentina certeza de que era aquilo mesmo, a doença que Hua descrevia iria representar uma fronteira entre um antes e um depois, uma linha que cortaria sua vida ao meio.” (p. 27).
Segundo pude
perceber, a obra é dividida em dois grandes períodos e três núcleos. Os
períodos, fáceis de estabelecer pela citação acima, são o antes e o depois da gripe
que devastou o mundo. Já os núcleos podem não ser tão facilmente identificados,
ou posso estar fazendo erroneamente, e os chamarei de “grupo”, mas pelo que vi
são: o grupo do Arthur; o grupo do Jeevan; e o grupo da Sinfonia Itinerante.
Todos os grupos aparecem no antes e
no depois. Chamo de grupo por
englobar, junto ao personagem foco, todos os integrantes que se relacionam com
ele. Simplificando, é mais ou menos assim: com o Jeevan – meu personagem
favorito da obra –, ficamos conhecendo também seu irmão Frank; com Arthur, bem,
a história é mais longa, mas conhecemos um pouco de suas ex-esposas, seu filho
Tyler e seu amigo Clark; e, com a Sinfonia Itinerante – grupo de pessoas que
viajam juntas apresentando concertos e peças de teatro –, conhecemos mais do
mundo pós-calamidade e de parte de seu grupo composto por mais ou menos trinta
integrantes. É interessante notar, aliás, que a história, embora em terceira
pessoa, terá foco nesses três grupos, contando-nos sobre “os dois mundos” a
partir deles, de modo que muita coisa fica em aberto e poderíamos nos
questionar sobre o que aconteceu ou aconteceria futuramente, mas mesmo as
possíveis pontas em aberto não incomodam a leitura em si.
Pequena
observação: esse é um livro que seria muito mais interessante se pudesse
ser abordado considerando todo seu desenvolvimento e, com isso, os spoilers.
A história
começa no último dia antes do anúncio oficial da epidemia e, também, o último
dia de vida de Arthur, um ator cuja vida vamos conhecendo aos poucos no
decorrer do livro. Logo ao início, tem-se uma apresentação da peça Rei Lear, de Shakespeare, na qual Arthur
interpreta o rei Lear e acaba morrendo em cena, devido a um infarto – se não
estou enganada. Jeevan, o personagem meio esquecido da obra, estudando para ser
paramédico, sobe ao palco para auxiliar o ator, quando percebe que este está
passando mal. A partir de então temos os grupos estabelecidos; pois a Sinfonia
Itinerante possui como membro Kirsten, uma atriz mirim que presenciou a morte
de Arthur.
“Kirsten se viu imaginando, como sempre acontecia quando via crianças, se era melhor ou pior nunca ter conhecido outro mundo, exceto o que veio depois da Gripe da Geórgia.” (p. 144).
Inicialmente,
não se tem ideia do quanto a epidemia afetou de fato a população sobrevivente,
mas aos poucos a autora vai explorando o atual e o pós-desgraça. Talvez mais do
que um livro sobre calamidades, seja pensar nas relações humanas – como é dito
na contracapa – ou mesmo em como está a sociedade atual, ou mais do que uma
história sobre tragédias, efemeridades e fama, a obra funcione como uma porta
de reflexões e/ou pensamentos. Não como algo ali, explicitamente dito, mas
mesmo o que está nas entrelinhas e só percebemos ao final.
Explico-me
melhor. De início, lembrei-me de outro livro que li há um tempo, “Na companhia
das Estrelas”, de Peter Heller. Em ambos os livros vê-se uma situação
pós-calamidade. São livros totalmente distintos, mas que nos passam algumas
informações curiosas; fazem-nos pensar, mesmo que brevemente, nesse outro mundo em que poderíamos estar
vivendo, eu diria ser uma ficção de um mundo muito verossímil. Mas voltando ao livro
“Estação Onze”, e evitando os spoilers,
questiono-os: já pensaram o quanto nossa sociedade, afinal, é frágil?
“- Quer dizer que temos de acreditar que a civilização simplesmente chegou ao fim?
- Bem – sugeriu Clark –, ela sempre foi um pouco frágil, não acha?” (p. 238).
Vejam, se a
sociedade fosse bem estruturada, talvez não se tornasse o que se tornou com a
calamidade. Isso é, não se teria o desespero, a falta de tecnologia, o medo de
simplesmente ver outro ser humano que não seja do seu grupo. Ao mesmo tempo a
sociedade produz meios de que se possa voltar a estar num nível aceitável de
convivência. Tudo depende do tempo, de quem vive e do que faz nesse tempo. Se
mesmo com todo o comodismo, tecnologia e “facilidade” de sobrevivência que possuímos
hoje temos essa sociedade com seus problemas, imagine com menos condições
favoráveis. Na leitura da obra de Mandel, lembrei-me daquela ideia da sociedade
como uma máquina, sendo cada “grupo” uma peça. Cada elemento coexiste, e mesmo
sem ter noção ou conhecimento do outro, funcionam num conjunto para que a
“máquina”, em sua totalidade, funcione adequadamente e sempre buscando
melhorias. Morrendo os funcionários responsáveis pelo abastecimento de água e
energia, por exemplo, todo o resto vem a cair/falir. Sem internet, sem energia,
sem água, sem abastecimento de comida. A sociedade pós-calamidade era isso e um
pouco mais; com pessoas que não tinham conhecimentos de uma vida sem o conforto
e tecnologias. Essa questão também me lembrou do que se vê ao estudar sobre
interdisciplinaridade, a fragmentação e toda a separação e conhecimento de
“nada”.
Ademais,
convém dizer que o desenvolvimento dos personagens, apesar de bem colocado, de
modo que consegues compreender as mudanças por que passaram, poderia ter sido
muito mais explorado. O livro não é pequeno, são 400 páginas com fonte, margem
e espaçamento pequenos, mas talvez ainda pudesse ser maior. A minha leitura da
obra demorou um pouco, tanto por não parar tanto para ler quanto pelos pequenos
pontos em que eu parava a leitura e pensava a respeito. Logo ao começo, por
exemplo, um pequeno dado da obra, sobre a gasolina, me fez lembrar do livro “Na
companhia das estrelas” e, disso, fiquei tentando lembrar e associar as
semelhanças e diferenças; tentando pensar, como no início da leitura, qual a
intensidade da situação, como as pessoas agiram e porque o fizeram desse modo
etc. Aliás, é interessante mencionar o que o livro possui algumas referências
bem específicas a outras obras, como a Star
Trek e a algumas peças de Shakespeare, mas nada que atrapalhe a leitura
caso desconheça as referências.
A edição,
publicada no ano passado pela Intrínseca, apesar de muito bonita e ser um livro
agradável tanto pelo material quanto pela qualidade, possui alguns errinhos de
revisão. Além de que fiquei um tanto desapontada com a capa após a leitura,
pois é só no decorrer da obra que se percebe/descobre o motivo das facas na
capa, e questiona-se o porquê das cabanas estarem tão iluminadas à noite –
alguém já o leu e poderia me explicar caso eu não o tenha entendido? Porque não
me parece possível pensar naquela iluminação toda na situação em que se
encontravam, com recursos mais escassos etc. Enfim, mesmo para quem não goste
de livros que abordem elementos meio pós-apocalípticos, com calamidades etc.,
acho que a leitura seria bem interessante, talvez mais ainda para quem não
esteja acostumado com esse tipo de ambientação; embora quem já esteja também vá
aproveitar muito, pois o livro é muito mais do que um retrato de calamidade.
Fluído, com um drama bonitinho e uma retratação de parte de nossa sociedade, a
leitura é muito bem-vinda.
“O que quero dizer é que, quanto mais a gente lembra, mais a gente perdeu.” (p. 189).
Olá Paula!
ResponderExcluirAdorei sua resenha e fiquei mais curiosa ainda quanto ao livro. Acho muito interessante todo e qualquer livro que aborde essa temática e que coloca o ser humano à prova diante de situações que estão além do seu controle.
Já li "Na companhia das estrelas" e infelizmente não gostei muito da narrativa, mas foi o único também. Todos os demais eu adorei ler, por isso pretendo dar uma chance à "Estação Onze".
Beijos
www.blogleituravirtual.com
Olá! =)
ExcluirQue bom! ^^ Sim, obras assim são muito interessantes! Já leste "Ensaio sobre a cegueira"? Me lembrei desta obra agora. É uma "situação fora de controle", de certo modo.
Fato, a narrativa de "Na companhia das estrelas" não é muito boa mesmo. Bem... fraca, eu diria. O contrário de "Estação Onze", por sinal.
Espero que aproveites a leitura, caso leia a obra! =]