Não se lembrar do que passou não significa necessariamente que nunca
aconteceu, não é? Algumas vezes, desejamos lembrar e esquecemos; em outras vezes,
ocorre o inverso. As lembranças são construídas e postas numa gavetinha da sala
da memória de uma forma curiosa e que não se pode controlá-la (eu não posso, ao
menos). Algumas lembranças são mais nítidas, outras, nebulosas. Todos nós tivemos
uma época em que fomos crianças, mas nem todos nos lembramos dessa fase da
vida, mesmo sendo tão importante para nossa formação. Não é à toa que fatos
ocorridos na infância moldam quem somos; mas moldar não significa que seja algo
imutável.
“- Nada nunca é igual – respondeu ela. – Seja um segundo mais tarde ou cem anos depois. Tudo está sempre se agitando e se revolvendo. E as pessoas mudam tanto quanto os oceanos.” (GAIMAN, 2013, p. 185).
A mim, a ideia de que as pessoas mudam sempre foi quase que um fato;
mas terminando a leitura de O oceano no
fim do caminho, começo a me questionar por que mesmo mudando ainda somos,
de algum modo, os mesmos? Talvez porque, embora as pessoas mudem, jamais o
façam totalmente. Isso é, a mudança raramente (e talvez nunca) se dá de modo
drástico e completo, sendo gradual, aos poucos, sempre guardando algo de quem
já fomos. Porque não se apaga o passado, o que já aconteceu. Posso não me
lembrar de ter caído e me machucado quando pequena, mas a marquinha está ali
para me mostrar que algo aconteceu. Posso não me lembrar das pessoas que
conheci, mas cada experiência me ajudou a melhorar o modo como vejo e entendo
as pessoas. Por outro lado, após terminar de ler As Crônicas de Nárnia, começo a pensar um pouco diferente; a
separar o ‘mudar’ do ‘crescer’, só que isso já é outra questão. Tudo isso,
enfim, foi só para dizer que o passado influencia, querendo ou não. (Embora
possam dizer que no livro que comentarei isso talvez possa ser divergente, já
que ali o passado-presente em certo momento podem se misturar, se associar ou
se excluir – dizer mais que isso é spoiler,
então deixarei meio vago mesmo; mas até agora falei de nosso mundo baseado na
realidade.)
Bem, deixo uma questão em aberto aqui:
Será que, mesmo que não nos
lembremos, esses fatos ainda assim importam?
“As memórias da infância às vezes são encobertas e obscurecidas pelo que vem depois, como brinquedos antigos esquecidos no fundo do armário abarrotado de um adulto, mas nunca se perdem por completo.” (GAIMAN, 2013, p. 14).
Já faz algum tempo que queria ler O
oceano no fim do caminho, de Neil Gaiman, mas só o vim a fazer nesses
últimos dias de janeiro. Ter ganhado o livro de presente (da Tainan) foi
motivo suficiente para colocar a leitura dele mais no topo da minha lista de
leituras 💙. A obra, num geral, apesar de suas poucas páginas – sendo um livro que
se lê tranquilamente em dois dias –, é tão leve e sutil e, ao mesmo tempo,
‘pesada’ e profunda que eu não conseguiria, nem querendo, transmitir a atmosfera dela.
Sutil, mágica e com várias frases bonitinhas, a história começa,
porém, com o protagonista já adulto voltando à cidade onde passou a infância
para ir a um velório. Lá, algo o atrai para visitar o terreno onde morou e, de
lá, a ir até o fim da estrada daquela rua, onde havia uma fazenda com um lago
de patos. A partir de então, conhecemos a infância do narrador, cujo enredo
parece de fato se desenrolar após o suicídio de um homem dentro de um carro no
fim da estrada (a mesma que o atraiu anos depois). A morte daquele homem
desencadeou alguns eventos um tanto perigosos, e vamos percebendo, a partir do
relato do narrador-protagonista, que a história é mais do que os eventos que se
sucederam; é a forma com que a realidade pode estar tão conectada com um mundo
surreal ou dos sonhos, a forma com que o mundo das crianças é diferente do
mundo dos adultos, embora sejam o mesmo, e como, no fim, todos têm de passar
pela experiência que é viver.
O livro é tão curtinho, só 208 páginas, e o autor a escreveu tão bem –
apesar dos erros da edição que eu li (publicada em 2013 pela Intrínseca) –, que
sem dúvida recomendo e muito a leitura da obra. Um tanto dramática, mas linda,
a história desliza, percorre as memórias do narrador e somos levados a um mundo
surreal e, também, a pensar na infância, na família e nos livros. Pois o
protagonista, com seus sete anos, não tinha amigos, restando a ele a companhia
dos livros que lia. Uma solidão que me parece um tanto triste, já que se soma
ao fato de ele ter bastante medo das coisas, mas que permite que se entre no
clima das aventuras que, embora não solitárias, transformam o livro numa
espécie de oceano.
“Pessoas diferentes se lembram das coisas de jeitos diferentes, e você nunca vai ver duas pessoas se lembrando de uma coisa da mesma maneira, estivessem elas juntas ou não. Se elas estiverem uma ao lado da outra ou do outro lado do mundo, isso não faz a menor diferença.” (GAIMAN, 2013, p. 196).
A leitura de O oceano no fim do
caminho foi como um mergulho na narrativa de Neil Gaiman. Com uma fluidez e
uma certa magia, a qual não precisou ser explicada para ser sentida, que mostra
que as entrelinhas também contam histórias; e de que cada ser vai lembrar do
mundo de um modo diferente. Enfim, não há como não recomendar esse livro. Já o conheciam ou já o leram? ;)
Oi Paula!!
ResponderExcluirMenina, comecei este livro em janeiro, mas não consegui continuar! :/
A leitura não fluiu e eu acabei deixando de lado, embora todo mundo que já tenha lido diz que é muito bom. Fiquei um pouco triste, mas acho que vou dar outra chance pra ele mais para frente, quem sabe...
às vezes você lê um livro no tempo errado, aí não dá certo... rs
Beijos!
www.blogleituravirtual.com
Oi! =)
ExcluirAh, que pena. =\
Entendo isso, às vezes pegamos o livro para ler num momento não muito propício para determinada leitura. Mas acontece, né? Não desanime com isso. Quem sabe em outro momento gostes da leitura. ;)