Olá, pessoal, tudo bem?
Depois de todo o sucesso e vergonha das minhas primeiras contribuições, trouxe para vocês mais uma resenha, de outro livro bem curto (eu
tenho de futuramente trazer alguma de um livro de mais de mil páginas, para
vocês não pensarem que eu sou desses preguiçosos). Na realidade, “A Verdade é
Uma Caverna nas Montanhas Negras” é um conto. Ele foi lido por Neil Gaiman em
alguns eventos ao redor do mundo, e figurou na antologia de contos do autor Stories.
Foto: acervo pessoal.
Não bastasse Gaiman ser considerado um dos maiores pós-modernos
vivos, ter uma prateleira cheia de prêmios por suas contribuições à literatura
de fantasia, nessa edição ele se une a Eddie Campbel, um premiado autor de
histórias em quadrinhos, para criar um híbrido entre o livro ilustrado e a graphic novel. O conto recebeu dois
importantes prêmios de “Melhor Conto”, o Locus
Award e o Shirley Jackson Award,
e se só isso não for suficiente, ele já te segura no primeiro parágrafo, nos
colocando em contato com esse personagem misterioso com muitos fantasmas no
passado:
“Indaga se sou capaz de me
perdoar? Posso me perdoar por muitas coisas. Por onde o deixei. Por aquilo que
fiz. Mas não vou me perdoar pelo ano em que detestei minha filha”.
O enredo do livro é
muito simples. Um anão percorre um longo caminho por uma Escócia medieval para
encontrar Calum MacInnes, um famoso pirata aposentado. Ele espera que MacInnes
o ajude em sua busca por uma caverna na Ilha das Brumas, onde se diz que existe
um tesouro escondido para quem quiser buscar, em troca de uma parte de si que
fica para trás ao sair de lá. O anão convence MacIness a acompanhá-lo em troca
de uma bolsa de prata, e ambos seguem viagem em busca dessa caverna mágica e
misteriosa, enquanto ambos vão conversando sobre a vida e nos entregando
algumas verdades desconfortáveis ou encantadoras sobre cada um desses
protagonistas.
Neil Gaiman é um escritor tão talentoso que em poucas páginas e
alguns diálogos já consegue nos transportar para aquele clima bucólico e
sombrio medieval. Os diálogos travados entre os dois homens e com outros
personagens que eles encontram no caminho remetem automaticamente a filmes de
época, a personagens arcaicos e taciturnos como os saídos de Game of Thrones ou
de livros do Bernard Cornwell. Colabora para o estabelecimento desse clima as
ilustrações de Eddie Campbell, quase sempre em tons pastéis e escuros,
colocando essas cores em destaque até em passagens em que a claridade
predomina. Alguns dos diálogos se passam em balões, como quadrinhos, se
misturando com o texto em prosa de maneira brilhante e natural, sendo
impossível ler o texto apenas pela palavra escrita. Cada página do livro é uma
obra de arte a parte, com ilustrações em tinta a óleo, com desenhos a lápis e
até com colagens de pinturas e desenhos sobre fotos de paisagens:
O enredo por vezes parece superficial, e conforme ele
caminha nos parece previsível. Mas Gaiman não entregou um texto realmente
fácil, o final traz uma revelação inesperada, mas coerente com o que ele propôs
desde o começo da saga desses dois homens. Não é o destino que importa, é o
caminho, é uma viagem de descoberta. Conforme o título nos entrega, a verdade é
uma caverna nas montanhas negras, e essa busca pelos tesouros da caverna se
reveste simbolicamente de uma busca pela verdade. Esses dois homens já viveram
por tempo demais, viram coisas demais, mentiram coisas demais, e só pessoas que
já viveram muito e intensamente - tanto o que a vida tem de bom quanto o que
ela tem de ruim - podem suportar e entender o peso que tem a verdade e quais
são as coisas às quais precisamos renunciar para conhecê-la.